Porque do cintilar dos postes ao longe?
Porque da dança interminável dos automóveis?
Enquanto os homens passeiam mortos pelas cidades.
Porque da brutalidade do nascer do Sol?
Da melancolia do anoitecer?
Do sexo como medida inversa do desprazer?
Porque da leveza dos semáforos?
Da singularidade harmoniosa de cada edifício
Do tilintar rítmico das buzinas?
Porque do peso estático das árvores?
Do barulho agudo e agonizante dos pássaros
Porque dos bichos passearem tão vivos pela mata?
Porque da pureza quase alcoólica dos ares condicionados?
Da arquitetura quase melodiosa de um notebook
Da poesia que dizem estar escondida em cada jornal?
Cansaram-se das fadas
Querem agora os super-heróis japoneses
Cansaram-se das bananas e mexericas
Preferem agora filas em fast-foods
Não há quem queira saber das plantas
Se há sempre um novo café a se conhecer
Pra que passeios sem destino
Se há agora tantas avenidas que nos levam a lugar nenhum?
Incompreensível a dor dos poetas
A modernidade alivia a todas
Felicidade oral
Injeções de esperança
Um carro que traz alegria
Uma televisão capaz de sonhar por você
O olho a olho virtual
Não plante mais árvores
Há muitos edifícios a serem construídos
Esqueça as frutas
Há pós sintéticos de sabores desconhecidos
Não me venha falar de amor
Os chips estão cada vez mais modernos
Não pense mais nas estações
Pra pele é sempre verão
Pro nariz sempre inverno
Não pense em céu
Nem em inferno
A vida agora é o eterno purgatório
O esperar sem fim, por nada
Enquanto isso,
Passeiem,
Passeiem mortos pela cidade.